terça-feira, 12 de outubro de 2010

Ainda sobre Aborto....

Pablo Capistrano, escritor, professor de filosofia do IFRN:

"Me causa calafrios o modo como a questão do aborto foi introduzida no debate eleitoral deste ano. Falar sobre aborto no Brasil é uma daquelas missões que levam nossa paciência a um estado limítrofe. Existe uma quantidade insuperável de banalidades retóricas e de chavões conceituais que tornam a discussão sobre a interrupção proposital da gravidez um campo fértil para todo tipo de manipulação e de delírio coletivo.
Dizer que é "a favor da vida" ou "contra o aborto" se tornou uma espécie de senha retórica para um extenso vazio conceitual que precipita a discussão política em um pântano ético e metafísico do qual filósofos, teólogos sérios e cientistas pelejam para fugir.
É desconcertante, para quem ainda tem esperança de que um dia o Brasil venha a ser uma democracia plena, observar um candidato a presidente como José Serra, vir a público repetindo os jargões de ser "a favor da vida", ou "contra o aborto" tendo regularizado aprática do aborto legal no SUS quando era Ministro da Saúde em 1998. 11 out (13 horas atrás) Gustavo
Apenas psicopatas assassinos não são "a favor da vida" e só aqueles que não entendem o sentido profundo das próprias palavras podem ser "a favor do aborto" (como se o aborto fosse um dever para qualquer mulher grávida). Uma discussão séria sobre o assunto começa pela definição dos termos usados no debate. Diferenciar "descriminalização" de "legalização" ou de "regulamentação" são etapas importantes para que pessoas de boa fé possam pensar sobre o tema. Há uma área da filosofia prática (a bioética) que se dedica a construir parâmetros para uma discussão racional sobre esse assunto e eu sinto náuseas quando vejo todo o esforço de meus colegas filósofos ser posto na latrina das demandas eleitorais nesse lamaçal de boatos sujos que se transformou a eleição de 2010.
O modo como a direita fundamentalista usou o assunto, para distorcer a opinião pública e forçar uma migração de votos de Dilma para Marina (ou Serra) e construir a possibilidade de um segundo turno dessa eleição, passa muito longe de qualquer preocupação com o grave problema de saúde pública que afeta a vida de milhares de pessoas, principalmente mulheres, no mundo inteiro.
A demagogia de Serra casou de papel passado com a demora da campanha de Dilma em entender a abrangência da onda de boatos disseminados na selva da internet e o impacto que isso causaria em seu desempenho. 11 out (13 horas atrás) Gustavo
O pior da introdução enviesada da discussão sobre o aborto é que ela oculta o debate mais importante e que deveria estar sendo travada nessa eleição. Qual é o modelo de Brasil que as duas forças políticas que se embatem nesse segundo turno apresentam? Que tipo de sociedade eles pensam em construir? Qual é o sentido fundamental do projeto político que opõe tucanos e petistas?
È essa dicotomia que a campanha de Serra não quer ver posta em evidencia, por razões de estratégia eleitoral. Por isso o falatório sobre o aborto se torna uma ferramenta de demagogia eleitoral e de disfarce ideológico semelhante aquela que transforma eleições presidenciais em um leilão de promessas e apostas retóricas.
Saber o porquê do tema do aborto ganhou as páginas das principais revistas de circulação nacional e porque um candidato a presidente que regulamentou a prática do aborto quando era ministro (dando eficácia a uma lei que estava congelada no limbo das normas sem efeito) explora de modo tão demagógico o assunto é perceber a natureza enviesada dessa eleição e de sua importância para os destinos do país.
Infelizmente, em uma campanha acirrada como essa, a clareza do pensamento e a coerência entre a atitude e o discurso são vistas apenas como detalhes inconvenientes na longa maré de estratégias obtusas que servem como escada para aqueles que parecem ter nascido movidos pela doença louca da busca pelo poder. Que Sócrates, Platão e Aristóteles tenham piedade das almas dos brasileiros.

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